quarta-feira, 25 de maio de 2011



"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que eu quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim? Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornam-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-socio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão que devia ser desmedida é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão pratica. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas e cantina, malta do "ta bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananoídes, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da turtuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para se perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lã quem se ama, não é ela que nos acompanha - É o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa e o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso, in Expresso

como tu me compreendes

segunda-feira, 23 de maio de 2011


em noites, numa noite, encontrei a mais bela da ostra e dei-me como sua pérola encontrada no fundo de um oceano pouco profundo, mais que vasto, mas pouco de água de rosas, pouco de corais, pouco de recifes e encantos.
não me soubeste a pouco, nem tanto quanto muito. saboreei-te e cresci-me dentro de ti para ti, reluzente eu, pérola.

confusões de nascimentos e recriações de artes, de emoções, de desilusões. ões que colhões poucos tiveste, que tão pouco os tinhas, que tão pouco não os saboreei.


suja, pérola, suja! imunda.

domingo, 1 de maio de 2011

mudanças, a vida é feita delas. nunca esperei que a minha mudasse tanto.
não somos perfeitas, somos horríveis, nunca haveremos alguma vez de ter a relação ideal de mãe - filha, eu sei disso e entendo-o. não te vou dar a parte fraca assim como não me dás a tua, nunca dás o braço a torcer e não esperes ser eu a fazê-lo. acontecimentos alteraram a minha vida com toda a força que tinham e dei uma volta de 360º. não foi fácil, não me facilitaram em nada mas tornaram-me mais forte. quando me perguntam o porquê de ser assim, deviam olhar para a vossa ingenuidade, e eu falo contigo mãe, mas a tua ignorância irrita-me. tu irritas-me com todas as palavras que não medes da boca para fora, e eu tenho o maior desejo de sair de ao pé vocês e o maior medo de vos perder, de te perder. também te digo já que não esperes algum dia ouvir isto da minha boca, não esperes um abraço de desculpas por tudo o que fiz e não fiz. nunca o fizeste, disseste, ou mesmo admitiste.
demasiadas coisas acontecerem à minha frente sem um senão, sem pensares o quão me marcariam, e foram demasiadas as vezes. sem dúvida alguma te digo que te amo, sem dúvida alguma digo que és minha mãe, que és mãe, mas com todas as certezas te digo que em nada me ajudaste, nunca ouve uma palavra de reconforto ou de agradecimento. talvez mereça muitas das coisas que me fazes, mas magoas-me mais que ninguém.
sinto falta da mãe da minha infância, aquela que não me lembro, mas que em fotografias assenta perfeitamente naquilo que idealizei para ti, aquela com quem provavelmente teria esta conversa que imaginei dentro deste quadrado branco em que escrevo, ao lado do cubículo onde estás, sabendo que não irás ler estas minhas palavras.
e desculpa não ser a filha perfeita, também não o és. desculpa não mostrar assim tanto quanto isso o quanto és importante para mim, o facto, é que és. feliz dia da mãe.